quinta-feira, 6 de junho de 2013

É a piolheira, meninos, é a piolheira total, este desgraçado paíz



A primeira cousa que há de realçar-se é que neste tempo há ortographia. Não me refiro à hysteria que hoje perpassa por uma sociedade que parece não ter outro desiderato que não seja maldizer e desbaratar o nosso nobre idioma, que nos vem de Camões por Vieira e mansamente se deteve, mais recentemente, nesses dois soberbos escritores coevos que foram Camilo Castello Branco e Eça de Queiroz. Refiro-me outrossim à necessidade sentida por tantos de promptamente saltarem ao ataque de uma ortographia, como se fosse pertença de grupo ou de uma classe.

A representação do idioma altera-se ao longo dos annos com uma chímica nem sempre explicável, como se a choreographia das letras dansando umas com as outras, ora agglomerando-se ora apartando-se, promettese mais do que uma symples forma de nos fazermos entender perante os outros. Não pretendo entrar por sciências que não domino. Para tal temos specialistas armados de machinas e de instrumentos, entre os quais o thermometro que ha de medir a temperatura do debate. Não! O que pretendo é ennaltecer ou ennobrecer os tempos em que escrever é uma arte que não está propriamente ao alcanse de qualquer ouvido. De que vale estudar o latim e o grêgo se não necessário, muito infelizmente, saber qual é a diferença entre emigrar e immigrar ou immerjir e emergir.

Escrever não pode ser para todos, não senhor! Não pode ser para todos! Quereis que o povo escreva de ouvido! Pois oponho-me! Há de saber etymologia e há de saber o latim-latão dos seminários e da vetusta Coimbra! Pretendeis que morrer de phthisica com a maior phleugma do mundo seja o mesmo que morrer de tísica com fleuma! Abandonai tal esperança! O obscurantysmo foi derrotado pelo progresso, o labor ganhou alforria, mas o idioma não pode estar sujeito à regra democrática! Este acordo de 1911 é um pesadelo! Se daqui a 100 anos alguém o defender, podeis estar certos de que o mundo não vale a pena, de que a língua finou-se e nem uma badalada a sobrados se ouviu pelos verdes prados do Paíz.

Mas qual a razão para tais comedimentos? A idêa peregrina de colocar o povo a ler e escrever. A idêa vem do Costa Cabral, do Marquez de Tomar, que há 50 annos, por meados do século XIX, quiz dar letras ao povo. E como se as letras tivessem difficuldades para a piolheira geral, e além disso a piolheira não alcançasse a complexidade dos ph, dos th, dos y e doutros signais, esta canalha republicana quer dar cabo deles. Por isso me rio quando vejo os de agora, tão democráticos e tão revolucionários, a querer escrever contracto sem o c, como se o c não fosse indispensável à abertura do a. Ou pharmácia com f, como se o phi grêgo fosse o mesmo som que o f latino! Mas, meninos, é isto a piolheira moderna.

 É republicana, mas manteve a sua essência. Não conhecem os princípios jerais de toda a ortographia, desconhecendo que esta não pode ser apenas de um modo de falar, quer êste seja de um só indivíduo, quer de uma província ou dialecto, como bem escreveram Gonçalves Vianna e Vasconcellos Abreu em 1885. Por consecuéncia, a ortographia há de por fôrça ser complexa. Podeis, pois, prègar como quiserdes, mas deixai-nos na sancta paz de Deus quanto ao modo de escrever. Se quereis uma graphia popular, grunhi como os símyos, mas escusais de macular o portuguez com o linguajar do povo.


                                                                                                                                         in Expresso Junho de 2013



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